Moda casual de luxo nas quebradas

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Quer saber como algumas grifes da moda casual de luxo se tornaram ícones da periferia? Pois bem, além disso, eu também vou te explicar o motivo das marcas terem receio de se associarem à artistas periféricos.

Não sei se você acompanha algum artista ligado ao funk, rap ou trap, mas quero dizer que é muito comum o uso de marcas como Oakley, Lacoste e Nike nesses universos.

“Moda casual de luxo, tô chique, confortável… No estilo tchutchuco, Rei Lacoste, indomável…” – Essa música do MD Chefe, por exemplo, é só uma das milhões de letras do universo funk/rap/trap que mencionam grifes de forma gratuita!

Aliás, em setembro de 2021, a Lacoste lançou a campanha “Twisting the Legacy” que contou com a participação do rapper MD Chefe (conhecido como “Rei Lacoste”).

Moda casual de luxo
MD Chefe – Foto: Reprodução

Tendências de moda na periferia

Não dá pra esquecer de outra etiqueta marcante nesses universos: os óculos “Juliet”! Sim, eles continuam sendo as maiores tendências que já surgiram nas quebradas (assim como as camisas de time).

Campanha de bonés de crochê por Fernanda Souza – Foto: Reprodução / Marcos Vinícius / @atemporalboy
Moda casual de luxo
Neguinho de favela – Foto: Reprodução / RAPGOL

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Mas, essas tendências não são tão novas assim… Sabia que nos anos 2000, por exemplo, o Nike Shox de 8 ou 12 molas, se tornou um fenômeno aqui no Brasil depois de ter virado peça desejo nas periferias?

Pois é, essa febre aconteceu num momento em que o preconceito com a periferia e seus ritmos musicais era ainda maior que hoje em dia!

Moda casual de luxo
Foto: Reprodução

É necessário entender, antes de tudo, como as grandes marcas surgiram dentro das periferias, (lá no comecinho da construção espontânea da estética e da cultura periférica).

Como escrevi no post sobre o Streetwear: o principal responsável pela moda nas ruas/favelas/periferias é a música (o rap, o trap e, acima de tudo, o funk).

Inclusive, muitos MCs estimularam o desejo de compra e ajudaram a desenvolver a cultura, como, por exemplo, em 2010 quando os funks começaram a surgir com menções falando da Oakley.

Tipo, se Mano Brown falar de Nike e os MCs falarem de outras marcas, isso faz com que todo mundo busque saber o que é, e consequentemente queiram comprar.

Estilo Mandrak

Esse hype ficou bastante conhecido também como “Mandraka” por conta das referências ao estilo dos jovens de periferia, assim como dos bailes funks. Mas, se popularizou no TikTok ao atingir mais de 500 milhões de viwes na hastag. 😵

Screenshot: TikTtok

O áudio usado nos vídeos tinham trechos da música “Baile do Cinga do 12” (de Mc Gontijo e Dj Sati Marconex) e atingiu a marca de mais de 150 mil posts em 2021.

Apesar disso, eu lembro também que os vídeos recebiam muitas críticas, pois tratava o estilo Mandrak como uma alegoria ou fantasia. Porque vários homens e mulheres são julgados e se tornam alvo de preconceitos exatamente por serem a própria “trend”.

Sério, é só abrir o TikTok que logo de cara dá pra perceber que o funk está fazendo parte da maioria das trends e dancinhas criadas no Brasil.

Inclusive, em 2021 o Spotify anunciou que o funk ultrapassou o sertanejo como o ritmo mais ouvido no país e ainda se inclui entre os 200 ritmos mais ouvidos em outros 51 países. 😵

O cantor Matuê (que é um dos maiores fenômenos do trap nacional – outro ritmo brasileiro que vem aumentando muito no mercado internacional) teve um álbum com mais streams em 24 horas em 2020 e se consagrou como um dos artistas mais ouvidos no Brasil e na Angola, desbancando até a própria Anitta.

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Rejeitando a cultura

Não dá pra negar que atualmente os funkeiros, os trappers e os rappers são algumas das figuras mais relevantes da cultura brasileira. Eles estão sempre “trajados” e com o “kit em dia”, formando opiniões que furam as bolhas mais tradicionais.

Mesmo com tanta influência na música e na moda (que veio do público mais jovem e das novas gerações), uma grande parcela desses artistas / cantores de periferias, ainda sofre horrores por conta das rejeições das grandes marcas de moda casual de luxo.

Por isso, trago como exemplo o que rolou em agosto de 2021 após a grife francesa Lacoste convidar quatro embaixadores para representar uma campanha, onde nenhum convidado tinha personalidade ou raízes periféricas.

A marca que é mega cobiçada, admirada e usada nas periferias, foi alvo de revolta nas redes sociais pela falta de representatividade.

Depois de sofrer tanta repercussão negativa, a Lacoste fez o favor de voltar atrás e convidar Mc Dricka (uma das mais famosas funkeiras nacionais) para entrar no time dos embaixadores da grife.

Mas, essa história de moda casual de luxo nas periferias é muito mais profunda do que isso…

MC Dricka
MC Dricka – Foto: Reprodução

A valorização dessas marcas dentro do funk representa uma subcultura com inversões de valores que são responsáveis por gerar novos significados e identificações.

A real é que a moda (principalmente a de luxo) sempre foi vista como uma ferramenta que diferencia as pessoas de uma sociedade, colocando-as em classes / caixas.

Com isso, no momento em que a periferia bate no peito e se orgulha de estar vestindo a tal moda casual de luxo (que já foi alvo de sua opressão), ela inverte esses valores.

“E avisa o dono da Lacoste que nóis não quer patrocínio. Só leva nas nota. Nóis compra é porque gosta e avisa pro dono da Oakley que nóis que deixou ele rico.”

– Trecho da música “Avisa Lá” de Mc Kelvinho e Mc Hariel.

MC Hariel & MC Kelvinho
MC Hariel & MC Kelvinho – Foto: Reprodução / KondZilla
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Agora eu vou te dizer: pense numa marca que é cobiçada na periferia é essa tal de Oakley, viu? Mas, apesar de ser uma marca que é super conhecida pelo universo do esporte e do ski, aqui no Brasil não há muitas explicações para a popularidade dessa marca.

Afinal, existe uma rejeição muito forte por parte da Oakley em relação aos funkeiros e ao público que os seguem. Para Fernanda Souza, jornalista e fotógrafa focada nas manifestações culturais periféricas:

“Há negação por parte da marca, porque existe uma rejeição ao público, o mesmo capaz de fazer a subversão de valores com novos conceitos criados, mostrando o que há de mais orgânico e original, sem pedir licença.”

A influência cultural nas periferias brasileiras não fala apenas de classes sociais

O funk, o rap e o trap são capazes de mover e influenciar a cultura jovem no Brasil e no mundo, isso inclui os jovens de classe média e pessoas brancas que usam essas mesmas tendências, assim como o uso de gírias e músicas de origem periférica.

É triste como a maioria das manifestações estéticas só recebem atenção depois que ultrapassam a periferia e vão parar nas mãos dos jovens brancos ou ricos.

E isso não é nenhuma novidade, porque há muito tempo vários ritmos e estéticas musicais foram embranquecidos afim de atingirem o sucesso no mainstream. Por exemplo, a house music, o samba (que virou bossa-nova), o blues e o soul.

Segundo Samir Bertoli, “A periferia é a máquina que faz essas marcas transcenderem o status de marca de roupa, porque nós vamos além das roupas e colocamos vida na cultura, temos que buscar que essas marcas reconheçam quem realmente move e dá vida à cultura deles: a periferia.”

Neguinho de Favela

O stylist e diretor criativo, Neguinho de Favela, diz que o principal expoente é a música, o rap, agora o trap e, sobretudo, o funk. Ele também afirma que as marcas que se tornam ícones são diferentes entre os estilos musicais, do trap, funk e rap.

Mas, existe uma coisa em comum: “O papel da periferia é o de ressignificar essas marcas, e o dos ritmos é de disseminar a cultura e lifestyle dessas etiquetas.”

Travis Scott

Eleito pela Complex Magazine o homem mais influente dos Estados Unidos, Travis Scott é um dos maiores nomes da música e da cultura. Ele tem contratos milionários com muitas grifes da moda de luxo.

Mas… Para alcançar tudo isso, os rappers norte-americanos também enfrentam muito preconceito. Afinal, há uma certa resistência para emplacar os grandes números e contratos com marcas ligadas à elite.

Moda casual de luxo
Travis Scott performs at Day 1 of the Astroworld Music Festival at NRG Park on Friday, Nov. 5, 2021, in Houston. (Photo by Amy Harris/Invision/AP)
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Sim, existe um receito muito forte das grandes marcas fazerem publicidades que associam nomes da periferia e ritmos como o trap, rap e funk.

Assim como acontece lá fora, uma parte dessas personalidades vem de backgrounds difíceis dentro da periferia e cantam sobre realidades pouco faladas entre a elite branca.

Por exemplo: drogas, sexo e violência (policial ou não) que fazem parte das realidades do Brasil e atravessam as letras de alguns desses artistas. Mas, ainda são realidades que a maioria prefere ignorar e fechar nossos olhos, pois não são tão agradáveis.

Preconceito

O motivo de tanto preconceito racial e social sé dá pelo fato da associação negativa das personalidades de periferia. Tem muita rejeição aos corpos negros e periféricos, pois eles não querem ter uma narrativa com sua imagem. Simples assim.

Essa idéia de desvalorizar uma marca de luxo por ser associada aos artistas e ritmos periféricos, na real, é uma idéia de preconceito explícita (assim como acontece nos comerciais, propagandas, nos ambientes de trabalho, entre familiares, amigos, e por aí vai…)!

Afinal, como funciona a relação da “moda casual de luxo” com a periferia?

Sim, existe uma resistência notória das marcas de luxo com a periferia. As vezes até rola uma parceria ou uma campanha grande, mas acredito que quase sempre não estão associadas ao que de fato acontece na massa.

Por isso, não adianta ter só uma ou duas representações com personalidades, sem verdade, repleta de medo e muitas vezes por dinheiro… Tem coisa que dá pra sacar que é aquela famosa estratégia de marketing, sabe?

Enfim… Faz muito tempo que o poder das “subculturas” (ou cultura das ruas / periferias) segue resistindo às associações negativas. E isso, pra mim, tem uma forte relação com o surgimento do streetwear também.

Se você for observar os movimentos norte-americanos com os rappers, por exemplo, tem vários deles na cena. Inclusive, tem alguns que são parceiros de marcas como Supreme, Nike, Louis Vuitton, Prada

Mas, essas pessoas só conseguiram o sucesso porque trabalharam em equipe com o poder de suas influências em relação aos grandes exponentes culturais.

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